quinta-feira, 28 de novembro de 2013

insolvências

insolvências resolvidas de interlúdios lúcidos
postas a nu por pensa-acções reais
interceptadas pelas mentes interligadas
dos neurocirurgiões que me remexem nos lobos

salmoura

o peso da chuva miúda
tão pesado de tão leve
pressiona os torsos
cabeças rente ao chão
vão derramando lágrimas
de salmoura

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

fumos

palavras já não saem destas bocas
apenas fumo
ora negro
por ora branco

fumos peçonhentos
de cheiro a enxofre
que tiram a vida
pois estas bocas pregam
a morte

ecoam pelas colinas mais distantes
passos de figuras distorcidas
disfrutam de centenas de metros
na vertical e no horizonte
algumas formam figuras humanas
que dançam ao som de trovões

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

o anexo, parte um

são três e tal da manhã, e apenas a luz da vela;

a casa fala
range
estala

junto ao ouvido
tosse-me o vizinho

nesta casa ouve-se tudo
como se as paredes
fossem feitas de papel

enquanto tento perceber
se estou a ser observado
sinto um bafo quente
junto à cara
e com mais entusiasmo
agarro a chávena de chá
entre as mãos pálidas
nunca tirando os olhos
do buraco
da fechadura
do anexo

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

alegoria da mutilação interna

mordes-me o coração
o lado esquerdo pulsante
previamente mastigado
uma massa muscular
ensanguentada
desfigurada
mutilada
no leito de febre o repito
mordes-mo!
adagas de gelo
pontuam os ditos
adagas de gelo
pontuam no corpo
as frases febris

sábado, 5 de outubro de 2013

avantesma

acaricio minhas cãs
desfragmento ideias
que volto a colocar
nas gavetas correctas da comoda
deste lúgubre quarto
onde não estando
me atormentas por toda a noite
qual avantesma
ao guardo dos cantos escuros
que a luz da vela
não consegue alcançar
nem ouvir

terça-feira, 1 de outubro de 2013

carne ou terra

cavas O buraco com as mãos
mas dói
se fossem apenas as unhas roídas
mas roeste também os dedos
por dias e dias roeste
sem te aperceberes
acabaste com pequenos tocos
esses pequenos tocos que cavam a terra dura

carne ou terra
qual delas te vai doer?

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

sábado, 21 de setembro de 2013

mulheres semibelas

(e nessa noite adoptaram a forma de mulheres semibelas)

saídos da clareira da floresta
vaguearam as ruas por duas horas
por duas horas vivalma saiu
intimidadas as pessoas que estavam
por aqueles seres extasiados, de cante estridente
nocivos
desde as raízes aos frutos
que lhes pendiam dos cabelos sebentos
de barbas embebidas em lama
vestiam casacos de húmus

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

esplanada

se o cão chegar ao fim da rua sem urinar
a senhora que está a passar não irá procurar na mala
as chaves para entrar na porta nº quarenta
se a criança que corre tresloucada
possuída por um herói qualquer, cair antes de começar a chorar
o mendigo que detém o monopólio à porta da igreja
não irá superar as receitas de ontem
e hoje, também não vou receber um postal teu

terça-feira, 23 de julho de 2013

amendoada

trago teu cheiro amendoado
entranhado no pensamento
acordo e escondo-me
ao ver a miragem
a tua silhueta a meu lado
enterro a cabeça na almofada
e parece que te cheiro
queria poder ficar aqui
a cheirar-te eternamente
enterrado nesta almofada
de cheiro a amêndoa doce

segunda-feira, 22 de julho de 2013

tio carrossel

gira sobre si mesmo
o tio carrossel
seus longos braços
tocam montanhas
mares também

se saia o tio tivesse
seria mulher
em baile de aldeia
se sete saias o tio tivesse
seria da nazaré
e teria percebes
os mais frescos da alvorada

sexta-feira, 19 de julho de 2013

tríade

o contraste das cadeiras
fortes,
com as pessoas sentadas
frágeis,
vultos quase transparentes
de tão fracos
quase a desaparecer

-

leio e releio
uma e outra vez
estou preso a esta página
tenho medo, receio
do que o movimento
me traga,
no texto
a mãe pergunta
filho,
que estás a fazer?
e ele responde
na última linha
mãe,
escrevo a minha carta...

-

come a salada
não posso
a cebola fala comigo
e o tomate?
o tomate posso
é mudo
e a cebola não gosta lá muito dele

o pepino
esse nem olha

sexta-feira, 12 de julho de 2013

em catadupa

a lágrima que em catadupa abandona o canto do olho
para no fim já sem vida ir morrer ao canto da boca

certos sentimentos são salgados e este como se tivesse toda a água dos oceanos
meus lábios rebentados ardem e preferia já não os ter se já não beijam os teus

quinta-feira, 11 de julho de 2013

estuque


ombro deslocado
do pequeno anão
que te vive na massa cinzenta
azul pintada por ele
com balanço corre
e bate violentamente
com o ombro
no interior da casa-crânio
edificada juntos

bate que bate
mas o ombro não retorna
ao seu indivíduo lugar
bate que bate
e o estuque
vai caindo no chão
não havendo ninguém
para o varrer

mesmo que o alguém haja
não há debaixo do tapete
para onde se varra

quinta-feira, 27 de junho de 2013

coro nacional das vozes abismadas

já te debruçaste sem cair?
sobre a ponte dos mil mortos
já ouviste chamar?
as vozes roucas da caterva
já te sentiste tentado?
a experimentar a queda no abismo

não te abismou a ideia?
dá-lhe uma chance
pode ser que a tua voz lhe faça falta
para completar o coro nacional das vozes abismadas

terça-feira, 25 de junho de 2013

sexta-feira, 21 de junho de 2013

pega nele

num espaço intemporal
ali estávamos os dois
no nada
apenas os dois
olhámo-nos
ela segurava o coração nas mãos
e estendendo os braços disse-me

pega nele
não tenhas medo
e chega aqui com o teu

a luz que dele emanava
era ridiculamente forte
deixei de ver, ceguei

sábado, 15 de junho de 2013

horizontes

e os horizontes entre nós
eles estão lá
e por vezes fazem falta
para lembrar
que o espaço é uma ilusão
quando se ama assim

quarta-feira, 12 de junho de 2013

beijinhos

pequenos gominhos
de fruta fresca
sumarentos apaixonados

sonho

dilacerados
pelas efemérides
da sofridão

quinta-feira, 6 de junho de 2013

chá

bebo com pressa
mas está demasiado quente
queima a boca
engulo
queima a garganta
persiste
e queima até ao estômago
toda uma viagem agoniante
uma dor aguda
mas passageira

escaldante episódio este
já lá vai um tempo
e continuo queimado
no meu interior
mas preparou-me
para futuras adversidades
que tive de engolir

cospes ou engoles?
agora engulo
pouco ou nada me afecta
pois estou queimado por dentro

segunda-feira, 3 de junho de 2013

sapataria

entro
e aprecio o cheiro da sapataria antiga
não estou aqui para comprar
mas para ser tomado pela soberba fragrância de cheiros
os materiais
pele, couro, cabedal, borracha
os químicos, ai os químicos
graxa, cola
a antiga sapataria não é grande
e o odor tomou o lugar
tomando-me a mim por sua vez
fez-me amor com o olfacto
cabrão
é algo quimérico
um amor que não existe
mas sempre existiu

terça-feira, 28 de maio de 2013

doce figura

encostado à parede do moinho
tomada pelo musgo
observo descrevendo

envolvida pela neblina
que dança com a vegetação
destacas-te como Aurora
dentro do teu vestido alvo
molhas timidamente o pé desnudo
no ribeiro fresco e musical
por fim
o cheiro da erva
lambida pelo orvalho
completa esta pintura
ao meus olhos
a neblina a água eu
os três rendidos
à tua doce figura
agora sim
poderia deixar de ver

quinta-feira, 23 de maio de 2013

arrogantes

arrogantes estas paredes que nos separam
vizinhos
não seremos todos donos do mesmo espaço?
espaço
esta mania da metafísica, horrenda

não partilhamos todos os mesmo pensamentos?
uma só vez
uma que seja, todos
somos feitos de pensamentos
do detalhe ao megalómano
do megalómano ao detalhe

somos feitos de detalhes
as moléculas
serão elas pensamentos?

terça-feira, 14 de maio de 2013

nomes

gravamos nossos nomes nas árvores
não é que elas tenham culpa de nós
ou de nos termos conhecido
mas
elas entendem

segunda-feira, 13 de maio de 2013

estátuas

passamos a correr
num frenesim
sem dar tempo de apreciar
quem por nós passa
com esta mania do entreolhar
o olhar dissipa-se
esta tal mania prende-nos o olhar
faz-nos estátuas
mas destas que teimam em não parar
damos mais valor ao que nos rodeia
esta massa que nos envolve
somos estátuas
de calcário rotineiro

segunda-feira, 29 de abril de 2013

estatísticas

qualquer dia
entro para as estatísticas
e nunca mais ninguém me apanha.
suicídio por negligência
do meu pensa.minto

quarta-feira, 10 de abril de 2013

casa em mim

guardo em mim
as vozes
todas as vozes do mundo
mas apenas duas se destacam
verbalizam
na minha mente
cuspindo
estes e outros temas
dando cor
ao interior
desta casa em mim
condenadas a viver
e conviver, presas
no meu ser
o meu seu
subterfúgio

segunda-feira, 25 de março de 2013

priceless hungry

I'll crave my claws
in your chest
open it
removing your heart carefully
I'll eat it
till my hungry for you
is satiated

at the end
with a big desire
your head I'll rip off
and display it
around my neck
like a priceless prize

sábado, 23 de março de 2013

cursed prints

my soul is rotten
inside out
is rotten
walking thru
the flowers go down
inside you I walk
leaving this cursed prints

sexta-feira, 22 de março de 2013

Reportagem do Lançamento do Livro "a árvore"

Reportagem do lançamento do livro de poesia "a árvore", no passado dia 15 de Março, na livraria Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro, em Vila Real.

Vídeo do Jornal Universitário da UTAD, minuto 17:17

Prefácio
"Da sua vivência umbilical com o campo, presumo, nasce a paixão pelos temas relacionados com este, como a água, as árvores, a própria terra. A memória do autor explora ainda outros elementos da infância, como um veículo entre si e a sua poesia. Mas encontraremos aqui, também, temas de uma juventude atenta, como a problemática da droga, por exemplo. De todos, porém, realce-se o olhar tantas vezes inclinado sobre a condição humana. A humanidade dos gestos, dos sentimentos, da fragilidade dos seres, é uma constante nesta obra, tornado o autor tão atempadamente poeta como humanista."

Carlos Campaniço
Escritor

domingo, 6 de janeiro de 2013

plasticina

tenho saudades
do tempo
em que comia plasticina
e só o escuro me inquietava
esse fumo
exageradamente espesso
que mal me deixava respirar

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

cá no alto tudo normal

no alto das árvores
cá no alto
por entre folhas e ramos
os pássaros
o vento
o sol
tudo continua,
normal

lá em baixo
na terra húmida
a guerra
nevoeiro de lâminas
os decepados
os decapitados
por entre o talho
uma criança chora
um menino soldado
ferido de lágrimas
lavado em sangue
tudo continua,
normal